novembro 08, 2013

Civismo e inspiração


Um mini-regresso já hoje para dizer apenas uma coisa: a rejeição do que Margarida Rebelo Pinto disse numa entrevista na televisão - que não vi mas da qual tive conhecimento por causa da rábula feita por Bruno Nogueira a esta figura da literatura light (epíteto não meu ainda que concorde). Disse a mesma que fazer manifestações nesta altura, presumo, dado não saber se o pensa em relação a anteriores, demonstra falta de civismo e um desrespeito pelo trabalho dos governantes. Podia ser irónica e até sarcástica, porque também o consigo, mas calmamente digo apenas que a mim, pessoalmente, me espanta é haver tanto civismo por parte de todos nós. Na verdade, temos reagido da forma mais pacífica possível, tendo em conta o agravamento das condições de vida, de trabalho e demais retrocessos em vários aspetos da sociedade em geral. Tem havido, como sabemos, reações muito mais acaloradas e explosivas noutros locais do globo, e mesmo na cívica Europa reações então muito pouco cívicas, sendo assim colocada a questão. 
Pessoalmente não me tenho identificado muito com o estilo das manifestações mas considero-as uma muito boa e legítima forma de se mostrar descontentamento e com um significado que dirá muito e poderá ainda fazer mais. Porque não me identifico eu com a forma como as manifestações são levadas a cabo, isto se estiver lá dentro e não apenas a olhar de fora? Porque nas que já participei concluí que foi - é? - muito superficial a maneira como os manifestantes encararam a coisa - pelo menos os que pude observar. Dizem-se piadas, fala-se de trivialidades, reúnem-se pessoas que não se viam há muito e tenta mostrar-se que apesar de tudo se está muito bem disposto e que se está a triunfar de alguma maneira individualmente. Não há profundidade, não há reflexão e, sobretudo, não há silêncio e consternação. Sim, para mim as manifestações deviam ter qualquer coisa de funeral, mostrar-se que não se trata de uma festa e de um passeio a não sei onde mas sim de um momento de tomada de consciência coletiva e que envolve alguma dor, desencanto e revolta pelo estado das coisas. Obviamente que haverá e há decerto exceções mas naquelas a que fui houve, frequentemente, um sentimento de não pertença a uma forma de protesto que gostaria de ver encarado de uma forma diferente. Poderá argumentar-se que a revolta necessita da exteriorização de sentimentos e da capacidade argumentativa dos manifestantes, da luta. Certíssimo. Isso vejo em quem as lidera, realmente,  mas não em quem está lá dentro, nos anónimos (e infelizmente conhecidos a fazer paródia). São demasiado levianas (até tímidas, pode ser, no confronto com a verdade que elas significam), demasiado levianas, repito, as coisas que se dizem nesses momentos. Mas isto sou eu e as manifestações onde estive e com as quais não me identifiquei. Repudiá-las, impossível, pelo contrário, e acusar os manifestantes de falta de civismo é de uma insensibilidade social para além do razoável. Se há erro nas manifestações, nestas circunstâncias de revolta social, é que são ou demasiado mornas ou demasiado festivaleiras. Como disse acima, não concebo o ato da manifestação sem consternação nem seriedade. Também não defendo a violência, é um facto, embora não me surpreenda quando certas situações são levadas ao limite. No fundo, sonho com manifestações ao estilo marcha sobre Washington ou mesmo a non-violent non-cooperation de Gandhi, daquilo que vi e penso saber sobre elas. O silêncio e a profundidade são uma inspiração que deve acompanhar a indignação. E mais do que palavras de ordem precisamos de inspiração. O que não retira em nada do que disse sobre o total repúdio acerca da falta de civismo dos portugueses dita pela MRP. (Discordo de tudo o que disse, de resto.) Falta-nos inspiração, sem dúvida, mas já não nos falta civismo. Aqui, sinceramente, até o estamos a ter em demasia.


(Todas as imagens do AE são tiradas do Google - ou do FB. Espero não repetir nenhuma mas é bem possível.)

2 comentários:

  1. O que poderíamos esperar de um povo que fez uma revolução com flores? Vamos continuar a ver o país a afundar e a continuar a ser mansos! Regressem D. Sebastião e padeira de Aljubarrota! Precisamos de gente de fibra e ação! Marla

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    1. Pois eu acho que nos devíamos manifestar de maneira altamente simbólica, até com flores, sim. Tenho várias ideias, acredita :) Uma grande corrente, a nível nacional, com coisas por vezes simples que fariam a diferença. :) De qualquer forma, sou toda a favor de manifs e de greves, a repulsa não é contra quem se manifesta, como poderia ser, é mas é contra as condições de vida e de trabalho a deteriorarem-se.

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