fevereiro 10, 2013

Os filhos da doença


Não sei se foi a hora tardia em que o li, mas o artigo do Público online, sobre os recentes casos de morte de crianças pelas suas mães, deixou-me profundamente chocada. O choque prende-se com o mais profundo horror que é ver vidas de crianças inocentes serem ceifadas precoce e tragicamente. Mas também se prende com o horror de ver alguém chegar a tais limites de depressão, de desespero, até de loucura. Já aqui escrevi sobre o suicídio e também sobre o estigma e a nossa crueldade face às doenças do foro mental. Não consigo condenar o primeiro nem compreendo os segundos. Sei, imagino, que deve ser horrível chegar a este ponto e só posso desejar que nunca nos aconteça a nós. Ao contrário de quem prontamente critica e aponta o dedo e exibe superioridade moral e força psicológica em todas as circunstâncias, eu penso que a junção de elementos como pressão, solidão, desamor, desemprego, falta de dinheiro, por exemplo, cria um cocktail especialmente perigoso. Que, espantem-se, pode calhar a todos. Se é verdade que há armas das quais nos podemos munir para fazer face aos problemas e desgastes da vida quotidiana, das suas exigências e dos seus tormentos, também é verdade que há quem não consiga persistir, por um determinado conjunto de circunstâncias. Fatores como a educação e a genética, por exemplo, podem favorecer mais os níveis de serotonina ou não. Personalidades bem estruturadas, bem amadas, estimuladas, criam vivências e sentimentos mais harmoniosos, fortes e resistentes. Nem sempre acontece e não é, muitas vezes, quase e quase sempre, culpa das pessoas. Nem sempre é só biológico. É da forma como os ajudaram, ou não, a ver o mundo e sobretudo a elas próprias. Por isso defendo que a educação, e o amor nesta, é fundamental, embora haja tendências pessoais que possam e podem complicar bastante as coisas.
Chocada, pois. Lamento tanto que não tenha havido um outro desfecho. Por todos, embora, ainda assim, mais pelas crianças. Porque não tiveram tempo, o seu tempo, o tempo para o que quer que fossem depois. Li os comentários ao artigo. Há de tudo. Desde a crítica às mães modernas até ao reconhecimento de uma depressão profunda como algo de extremamente penoso e potenciador de tragédias. Os tempos são difíceis, loucos. A sociedade de consumo tem alienado as pessoas, todos nós, as relações baseiam-se na imagem e na superficialidade, no ego e no sucesso a todo o custo. O ritmo, exige-se praticamente energia non stop. Isto é difícil, é desestruturante, arrasta-nos para comportamentos que não promovem o bem-estar interior nem a harmonia com os outros. Como lamento tudo isto. Em dois dos casos as mães eram professoras, na verdade, uma profissão dos diabos em termos de stress mental. Mas não podemos ir apenas por aí. Num dos casos o filho era deficiente. Duro, mas também não explicará tudo, de longe. É muito mais transversal e é bom que ninguém se ponha de fora. Não a nível das intenções e de um padrão de vida, opcional e consciente, mas a nível da queda que pode acontecer a qualquer um em algum momento. Que dizer, pois? Resta-me desejar que tal não nos aconteça, repito. Sei que os que acham que tudo controlam não vão perceber isto. Ou aceitar. Outros entenderão certamente aquilo que quero dizer. Digo eu. Ou espero.

6 comentários:

  1. Que não nos aconteça mesmo...chegar ao ponto do não retorno, onde o desespero é tanto que não há outra saída... mas daí a levar um ser inocente...acho que este assunto dava "pano para mangas".

    Beijinhos

    Ana

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    1. Terrível, sim. O resto está no post. Beijinho e boa semana, Ana *

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  2. Patético e dramático, quer se trate de filicídio cometido por professores, operários ou desempregados.
    Há normalmente uma raiz comum a todos estes caso. A desumanidade da política que tomou conta da sociedade em que vivemos.
    Boa semana

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    1. Patético não será a minha palavra para isto mas dramático, sim. Desumanidade, sim, completa, a vários níveis.
      Obrigada, jrd, também para si:)

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  3. Muito chocantes estes episódios de várias vidas ceifadas devido a depressões e problemas de ordem diversa. Concordo plenamente que não podemos controlar tudo e que a vida nos reserva boas e más surpresas. A forma como lidamos e reagimos depende frequentemente da nossa educação, formação, vivências,influências, do amor que recebemos (ou não) e dos valores que nos foram incutidos. Também é certo que o mundo atual feito de correria, stress, regido pelo capitalismo e o materialismo, nos impede de ter uma maior qualidade de vida e tolha a visão a muitos; àqueles que não valorizam o que é verdadeiramente importante. Marla

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