janeiro 23, 2012

Na outra pele


       Há uma dificuldade nítida, evidente, gritante que é a de nos pormos no lugar do outro. E ela, porque omnipresente, surge de forma continuada  se se olhar em redor, e também se se olhar para dentro, para quem o consegue fazer. Esta dificuldade é das coisas mais prejudiciais para o entendimento mútuo, para a compreensão dos outros e para a tolerância em relação a tudo o que não é exatamente igual a nós. É de tão difícil cultivo e, no entanto, seria tão desejável que fosse fácil. Porque esta simples caraterística, a de sentir na pele de quem não somos, eliminaria simplesmente um infindável número de malentendidos, problemas e hostilidades.
        De vez em quando assisto a manifestações de mal estar perante aqueles que, não sendo portugueses, para cá vieram estudar ou trabalhar. Nessas alturas, se com alunos, faço sempre um premente exercício do género incorporação no outro. Imagina que és tu. Se fosses para um país estrangeiro gostarias de ser bem recebido? Gostarias que te ajudassem a integrares-te melhor? Gostarias que te respeitassem e que não vissem em ti uma ameaça a seja lá o que for? Gostarias que não te chamassem nomes? Gostarias que não te vissem nem como malfeitor nem como ladrão de quaisquer direitos? Gostarias que não te considerassem um intruso? Sim... professora, costumo ouvir. E à medida que vou largando as perguntas, o tom do repúdio,  o teor da intolerância, os laivos de racismo vão ficando mais silenciosos, mais serenos, mais complacentes.
         Estes exemplos reais vindos de miúdos perante os quais é impossível deixar de trabalhar a consciência do outro podem, depois, estender-se a tantos mais, incrustados no espírito de quem já passou da fase da adolescência. Porque é que é tão difícil também à maturidade descentrar a perspetiva e tentar perceber o que está por detrás de uma outra visão de algo? Porque é que é rejeitado por vezes tão drasticamente o ângulo de alguém ao lado? Porque é que o nosso prisma tem absolutamente de prevalecer em todas as circunstâncias? Porque não nos esforçamos nós por trilhar o caminho de outrém para que dele retenhamos um outro tipo de experiência? Quantas vezes não seria eficaz, salutar e brutalmente pacificador se o fizéssemos?
         Nos campos da amizade, do amor, da famíllia, do trabalho, da sociedade em geral, da história e da humanidade, palavras como conflito, raiva, discriminação, inimizade, ódio, guerra, rancor, desprezo, crueldade - palavras torpes e não desejadas porque vis - poderiam apagar-se se tu e eu nos puséssemos consciente e voluntariamente no meu e no teu lugar.

4 comentários:

  1. Acusar, apontar o dedo ao outro é sempre mais fácil do que pôr-se no seu lugar! E a tendência é, infelizmente, esta... Lília

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  2. Tantas palavras de mágoa, tanto gesto...tanta coisa podia ser evitada ! Gi

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  3. Gostaria, por isso é que não compreendo como certas e determidas situações acontecem na escola, tanto racismo e descriminação ao mesmo tempo!
    Sempre ouvir dizer, e as regras civicas mandam que as pessoas com problemas estejam sempre em primeiro,não porque são de outro país já merecem o mundo inteiro,são casos como estes que são considerados bullying autêntico!
    beijinhos e Obrigada

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  4. Caras Li e Gi:) Tento cultivar francamente isto ao máximo, nem sempre é fácil mas é extraordinariamante importante.

    Caro/a anónimo/a - não percebi o seu comentário (alguma oraganização de ideias precisa-se...) mas obrigada por ter passado por cá.

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