junho 30, 2011

Irreversibilidade


Procuro não comentar a actualidade, neste blogue, por várias razões. Nem fui nunca admiradora de Angélico, pelo contrário, detestava o estilo que ajudou a criar, já para não falar da série que o lançou. Mas a morte do jovem actor, da maneira que ocorreu, levanta algumas reflexões. Entre o público fã, maioritariamente adolescente, estava um míúdo na vigília , dos seus 14, 15 anos a chorar que, interpelado pela repórter, disse "Ele era um exemplo para todos nós." Oh pá, isto é que não, penso eu automaticamente. Bem sabemos que os fenómenos de idolatria que se verificam na adolescência e primeira juventude explicam estes exageros de linguagem mas há que destrinçar a massa de que se faz um ídolo daquela de que se faz um exemplo.
Os ídolos situam-se quase sempre nos sectores da música, do cinema, do desporto, da televisão. São pessoas que quase sempre (nos) seduzem por uma imagem que constroem - de beleza, de juventude, de moda, de rebeldia, de irreverência. Contudo, muitos dos seus comportamentos, como se sabe, estão longe de serem um exemplo. Ou seja virtudes como a responsabilidade, o civismo, o empenho, a constância, a educação, o respeito pelo outro, muitas vezes passam-lhes completamente ao lado. Até alguém que gosta do brilho destas estrelas, reconhece que muitas das suas atitudes e percursos de vida pessoal não fazem parte do seu projecto de vida. Podíamos até enumerar aqui muitos nomes, nacionais e internacionais.
Daí que apreciar a sua música ou a sua arte, ou apenas o seu estilo, corpo ou rosto, não seja (nem deve ser) a mesma coisa do que lhes apreciar o carácter ou a conduta de vida e querer viver algo semelhante. Sem moralismos, opções de imaturidade familiar, irresponsabilidade laboral, drogas, pedofilia, agressão, violência, crime, excentricidades perigosas e (auto)destrutivas afiguram-se como características não desejáveis para uma saudável e feliz existência, ainda que estas noções possam ser absolutamente relativas. Mantenhamos estas celebridades como ídolos de quem somos fãs por uma ou outra razão mas não lhes chamemos propriamente exemplos.
O culto da velocidade extrema em espaços civis é irresponsável, egoísta e imaturo. Filmes como Velocidade Furiosa dão-lhe um ar glamoroso (já repararam com as bandas sonoras glorificam tantas vezes actos de insanidade ou violência?) mas fora da ficção é condenável e, pior, traz riscos irreversíveis. Como no exemplo deste jovem , cuja morte me chocou, é certo, pela sua juventude e pela dor que deve representar para os seus pais e amigos, mas que, reafirmo, não é exemplo para ninguém.

junho 23, 2011

O último a ver



Parece realmente um enorme cliché mas quantidade e qualidade parecem não combinar quase nunca. No tempo em que havia só uma  televisão estatal, a RTP, a programação era de facto menos diversa mas tão mais marcante. Porque a organização sobretudo mental que (me) permitia, fruto dessa pouca oferta, levava-me a não perder programas que nunca mais esqueci e que quase desapareceram do mapa televisivo actual. Com a chegada das privadas, que durante algum tempo pareceram levar a melhor sobre a velha TV, mesmo nas minhas escolhas, o panorama alterou-se sobremaneira com a competição pelas audiências e uma proliferação confusa de programas que levam à repetição, à superficialidade, ao desnorte.
Meu, pelo menos. Há anos que não consigo seguir uma programação equilibrada e enriquecedora, tendo abandonado praticamente os canais privados por causa da sua cansativa, vazia e ilusória abordagem. Voltei de facto e com muito agrado ao canal mais antigo. Os telejornais são ligeiramente mais curtos, há uma preocupação com a informação e reportagens sérias fora das notícias das 20 horas, tem havido uma preocupação cultural interessante, sobretudo não é tão alarmista, nem stressante, nem vertiginoso.
Daí que assinale com desagrado o programa das noites de domingo - o reality-show que o não é, numa paródia, tem-se dito inteligente, aos formatos dos canais mais virados para o entretenimento fácil e oco. Não discuto se a ideia é interessante, mas penso que o resultado não o será. Não consigo ver nem um bocadinho (embora consiga ver o programa rival das tribos, pois consigo achar-lhe interesse antropológico), não me estimula minimamente e, pior, o nível de linguagem parece-me inaceitável num canal público que pretende (pretende?) formar os cidadãos. Não consigo achar normal na RTP, ao fim de semana e a uma hora que não é tardia, o uso que fazem do calão e afins, reforçando a ideia de que mensagem não há nenhuma e entretenimento muito pouco, numa combinação algo mal conseguida entre comédia e crítica. Não é este tipo de programas de que a RTP precisa e deve apostar. Deve manter-se na dianteira precisamente porque é diferente, porque constitui uma alternativa, porque não joga no mesmo campeonato dos restantes canais. Que saudades dessa televisão, quando havia só um canal...
Mas então dizia também que sou eu que não me consigo orientar no meio de tanta coisa que não (me) interessa. Então como a televisão dos canais mainstream nem sempre me satisfaz, ou satisfaz muito pouco, lá dou por mim no computador a fazer algo que me preenche muito mais quando há tempo para uma pausa no sofá. A escrever, sobre TV, por exemplo...

junho 16, 2011

Prazeres



Tirado do blogue de Pedro Rolo Duarte. Adaptado. (Ver autoria.)

Prazeres



O primeiro olhar da janela de manhã (se for de Verão)

O velho livro de novo encontrado

Rostos animados

Sol, o mudar das estações (e não neve)

O blogue (podia ser jornal  mas nem sempre)

O pequeno (tirei o cão)

A astrologia (era dialéctica)

Tomar duche, dormir (estava nadar)

Velha música (dos anos 80)

Sapatos cómodos

Compreender (e ser compreendido)

Música nova (tirando hip hop, rap, techno, house, trance etc etc)

Escrever, escrever (plantar não)

Viajar, ver cinema (cantar, credo!)

Ser amável.

                                                            Bertold Brecht e Eu

junho 10, 2011

Great expectations



A noção de felicidade é relativa e até pessoal, sabemos. Porém haverá pontos em comum nas definições que daremos e também caminhos que se podem dizer similares na sua procura. Um deles, e a jogar um papel primordial, é a questão das expectativas. E comecemos por dizer já claramente, fazendo eu minhas as palavras de Alberoni: "para sermos felizes devemos aceitar o insucesso (...) não esperarmos nada, e então a felicidade surgirá."
De facto, as expectativas quando são (muito) altas levam-nos a um estado de ânsia e adrenalina que pode vir a ser completamente defraudado. E sendo, surgem depois a desilusão, o desgaste e a dor, em doses que variam de caso para caso, consoante aquilo que se esperou. Quer-se com isto dizer que devemos não sonhar? Actualmente prefiro falar em metas e objectivos, pois apesar das palavras serem mais pragmáticas e frias, traduzem melhor o almejar de algo para quem os sonhos significam pertencer a uma juventude fantasiosa e mais ingénua algures lá atrás. Então, na maturidade, poderemos e devemos continuar a ter objectivos e entusiasmo por eles, mas este de alguma forma comedido, sabendo que aqueles podem falhar, numa mistura de confiança e (mas) realismo que importa não disassociar. Saber que há outros factores e actores no caminho para o oscar, dar-lhes a devida importância, não embarcar em cegueiras disfarçadas de optimismos. Querer voar? Sim, muito até, mas ter consciência de quão real poderá ser também o perigo da queda.
A ideia de nos preparamos para o pior não é fácil de ouvir e não é agradável, ainda mais aos espíritos aventureiros, corajosos, determinados, até criativos. Mas é de facto fantástico contarmos com pouco, ou se possível nada, e conseguirmos muito. Então seremos felizes, apesar de "o processo" ter sido duro, de algum sofrimento até, no fundo revertemos a ordem da qual falava acima - aqui trata-se de sofrer algo primeiro para ser bem feliz depois. Claro que o leitor pode considerar que vai dar ao mesmo. Mas por certo não, não será a mesma coisa. O prémio do esforço será bem mais saboreado do que a aparente ou ilusória felicidade que construímos, ou diria vislumbrámos, seguida de uma abrupta interrupção, de um letal corte, de um decepcionante final.
É tudo uma questão de aprendizagem. Quando se é muito novo sonha-se muito, ou ambiciona-se fazer muita coisa, ir a todo o lado, ter, ver, viver... Muitos de nós ao  longo do tempo têm vindo a   fazer essa reeducação. E isso traz uma serenidade incrível, ainda que não desprovida de metas, de todo. Não esperar ou querer muito e de forma rápida, intensa ou avassaladora é um tranquilizante diário e abre caminhos à verdadeira felicidade - aquela das coisas simples, sim, e também a outra que, por certo, com um bocadinho de confiança em nós e especialmente no futuro, estará lá à nossa espera. Mas funcionando como troféu pela paciência e pela esperança misturadas no humilde sentimento que devemos ter perante a nossa pequenez no mundo e perante os percalços da nossa existência.

junho 05, 2011

Um pouco de(o) Brasil

                                

Tenho reparado, com muito agrado, que há visitas do Brasil a este blogue. Por isso achei bem deixar aqui algumas impressões sobre a minha própria visita a esse país de língua irmã. Este texto é então, e sobretudo, para "você".
Começo por dizer que me emocionei várias vezes (talvez por coincidir com a sensibilidade por uma incipiente gravidez, que não  veio a ter sucesso, de resto). Nem sei bem porquê - ou saberei? -  mas realmente senti vontade de chorar em vários momentos, por pura emoção. Pela natureza e paisagens que observava - as bananeiras, a cana de açúcar, os coqueiros, os mangais, as cachoeiras, pelas pessoas - simples, na sua maior parte, pois visitei o estado de Pernambuco, algumas de rosto sofrido, disponíveis, até quase servis e inocentes algumas também, pela terra e a sua incrível variedade - numa mistura de verde, praia, beleza, pobreza, pessoas a pé por caminhos longos e desabitados, casas com grades e do tamanho de uma cozinha, mas também belos palacetes à beira-mar e hotéis maravilhosos, brancos, negros, mulatos, matinais sucos de frutas, pequenos mas aventureiros safaris,  peixe grelhado ao ar livre e gambas consumidas nas cadeiras da praia, enfim, um mosaico geográfico físico e humano verdeiramente emocionante, contrastante e intenso. Ao mesmo tempo descontraído, a convidar ao relaxamento e à autenticidade. Só na cidade de Recife tive um "glimpse", um vislumbre europeu, do qual estou, às vezes, farta. O chic do hotel a lembrar-me a etiqueta social, que muitas vezes não me apetece. O resto - Porto de Galinhas, a maravilhosa Olinda, Primavera e outras, era, foi, uma viagem ao diferente, ao desconhecido, à história, a qualquer coisa que já deixámos ou fizémos (pouco, pensei por vezes), nós, Portugal, desde o tempo das espantosas descobertas.
Enquanto viajava relembrava, quase automaticamente, o Brasil que nos foi dado a ver através das novelas, especialmente duas - Gabriela Escrava Isaura. Eu era tão pequena mas apaixonei-me por Ilhéus, pela Malvina e tenho até um texto dedicado a essa telenovela, marcante do lado de cá. Foi a primeira e também eu não a esqueci mais. Na segunda recordo a crueldade da escravatura, heranças do colonialismo português, a revolucionária Lucélia Santos, a leitura do livro homónimo. Enquanto viajava, dizia, olhava e imagens atravessavam a minha mente e misturavam-se, criando-se e recriando-se histórias e espaços entre o ficcional e o real. Ficava em silêncio e sentia. Sentia e emocionava-me, numa experiência transatlântica, histórica e até literária. Uma mescla cultural, portanto, que despertava peculiarmente as emoções.
Não tenho autoridade nem conhecimento para falar deste país imenso, rico e contrastante. Registo aqui uma mera impressão. Não conheço a Cidade Maravilhosa, nem Brasília, São Paulo, Porto Alegre nem a região amazónica, nem Fortaleza nem fui à Baía de Amado. Não conheço, in loco, muitas maravilhas nem provavelmente problemas da realidade brasileira. Mas posso dizer que o bocadinho do país que vi me tocou profundamente. O Brasil, entre momentos fantásticos e realidades menos atractivas, com em qualquer lado, ficou cá dentro, na alma. Talvez por já lá estar desde há muito tempo...