abril 19, 2011

Incompatibilidade


Será a vaidade compatível com a felicidade? Não, não é. Esta é a resposta dada no filme Ligações Perigosas, na figura de Madame de Merteuil e na deixa mais emblemática de toda a longa-metragem. De facto, ela triunfa sobre Valmont, para quem o orgulho e a reputação acabam por ser mais fortes do que o verdadeiro amor. Assim, cava a sua infelicidade e mesmo a morte.
Li o livro muito novinha, um romance epistolar de relativa dificuldade para a idade, e foi, pois, já em adulta e no grande écrã que esta história me surpreendeu em todo o seu fulgor. O jogo de sedução, ou seduções, e os jogos de palavras fazem deste filme um invulgar e interessante estudo de enredos palacianos, de histórias de alcova, de  intrigas da nobre corte.
A história gira em torno de três personagens principais, Madame de Merteuil, Visconde de Valmont e Madame de Tourvel. Os primeiros são experientes na arte do amor, ou dever-se-ia antes dizer, nas artes da sedução. Seduzem, gozam, e depois largam as presas sem qualquer pingo de sentimento ou arrependimento. Há neles um lado profundamente diabólico, ainda que, em Madame de Merteuil seja mais tarde explicada a razão de tal comportamento - tendo amado e sofrido, resolveu não mais sofrer por causa de um homem. Desta forma algo feminista, domina os sentimentos, nega-se ao amor, e mesmo os seus ciúmes em relação a Valmont são canalizados para a intriga e para a malícia. Madame de Tourvel, pelo contrário, encarna a virtude. Sensível, honesta, piedosa e mesmo crente, acaba, no entanto, por sucumbir nas garras de Valmont. Contudo ele próprio é surpreendido pelo verdadeiro amor que ela lhe desperta, e renega-o, também, pela reputação de amante e sedutor sem piedade. Desafiado por uma enciumada Madame de Merteuil, espalha a infelicidade em Tourvel e nele próprio, não indo a tempo de redimir o verdadeiro amor que sente pela primeira vez.
Fazendo um paralelo com as nossas vidas, quantas vezes o nosso orgulho nos impede de ser felizes? Não reconhecer o erro, não pedir desculpa, não admitir que se falhou, medo de cair no ridículo - quantas vezes estas atitudes nos roubam vislumbres de felicidade?  Quantas e quantas vezes a nossa vaidade nos fere e nos aniquila? Quantas vezes a falta de humildade cava o nosso destino?
Quantas vezes fazemos nós opções para alimentar o nosso ego, para manter um almejado estatuto, para exibir relativa qualidade, para impressionar apenas os outros, para criar certo impacto? Indo, dessa forma, ao desencontro daquilo que realmente nos podia fazer feliz? Da mais profunda verdade que existe dentro de nós?
Podem, de facto, coisas como o orgulho e o desejo de manter uma reputação traçar muitas das nossas atitudes, laboral, social e até familiarmente. Uma vaidade que nos impede de perspectivar as coisas com autencidade e humildade e que nos afasta, assim, de caminhos para a verdadeira felicidade.
Mas, e apesar de sabermos ou apenas sentirmos que "vanity and happiness are incompatible", quantas vezes insistimos?...

3 comentários:

  1. Execelente adaptação da obra de Choderlos de Laclos "Les Liaisons dangereuses"! Memorável é também o exuberante guarda roupa de época. Trata-se, com certeza, de vaidade e de poder! A maquiavélica Madame de Merteuil apenas adquire prazer em refinados jogos de sedução e manipulação. O brilhantismo do filme está na vaidade/orgulho do Conde de Valmont e na fraqueza que este revela ao se deixar manipular por esta socialite da aristocracia francesa. Também gostei da versão de Milos Forman "Valmont" com Colin Firth. Marla

    ResponderEliminar
  2. As coisas que tu me fazes pensar amiga! :) Ora eu vi o filme e lembro-me muito bem desses jogos de sedução, da intriga...mas na verdade, a realidade ultrapassa em muito a ficção. Não raras vezes, vimos as nossas vidas afectadas pela falta de humildade do não dar o braço a torcer, de manter uma imagem e de não se "rebaixar" à simples demonstração de carinho e amor. Isso tudo para alimentar um ego vão e estéril, que não deixa lugar à felicidade simples. GI

    ResponderEliminar
  3. Sim, é isso mesmo. A frase é muito mais significativa do que se pensa. Não é só um filme, é a tradução da realidade. Na verdade esta ficção literária/cinematográfica é um ensaio sobre a cegueira:) da vaidade...que não deixa entrever uma vida mais feliz. Faty

    ResponderEliminar